JOSÉ SARAMAGO – UMA ESCRITA COM IDEIAS

A mais importante singularidade dos romances de José Saramago reside na exposição e concretização narrativa de uma ideia que alimenta a totalidade de cada romance.
Dito de outro modo, José Saramago não é um romancista social e ideologicamente neutro; diferentemente, é um escritor que explora a filosofia, a religião, a política e a história como alimento do conteúdo dos seus romances, empenhando-se activamente na denúncia e transformação dos aleijões da nossa sociedade. Onde Saramago presume existir injustiça, aí põe a sua pena ao serviço da sua visão de justiça e de igualdade sociais. É esta a profunda singularidade da escrita e do escritor: para José Saramago não basta escrever uma simples história, mais uma simples história que nada acrescenta ao nosso conhecimento do mundo, mas, partindo de vivas preocupações existenciais actuais, intenta retomar antigos temas da religião, da filosofia, da História, dando-lhes um novo sentido, não raro contaminado de uma sede de justiça social.
Colocar em questão o passado cristalizado, insuflando-lhe uma nova ideia, que o avive e o actualize, eis o modo habitual de escrita de José Saramago.
Em Memorial do Convento, publicado em 1982, a interrogação sobre o sentido da história de Portugal e sobre o divórcio entre o amor, a vida feliz e o progresso da ciência, por um lado, e a absolutização do poder político num pequeno grupo social, constitui uma das primeiras narrativas em que se evidencia o novo estilo exuberante, barroco, fáustico e festivo de José Saramago.
Saramago nunca escreveu segundo um cânone literário, não seguiu as modas em vigor, não foi realista, existencialista, estruturalista, pós-modernista, seguiu-se a si próprio, soube ser apenas ele próprio, inventando o estilo literário mais singular no actual panorama da literatura portuguesa. Foi este estilo e o conteúdo profundamente humano das suas história que lhe valeram, em 1998, a atribuição do primeiro Prémio Nobel da Literatura para um autor português, consagrando a sua ímpar arte da palavra e elevando o seu nome à universalidade da História da Literatura de todos os tempos e lugares.